Ele então caminhou até a janela, esperando que o quadro vivo e mudo desse
alguma resposta plausível. A dúvida do homem do deserto acompanhara o
médico durante toda a vida, levando-o a buscar no espírito dos outros a
resposta que não encontrava no seu. Não queria deixar Marcus sem resposta, mas
não pretendia criar algo vazio.
quarta-feira, 30 de novembro de 2011
terça-feira, 29 de novembro de 2011
#Vazio - Outra Manhã (17)
- Devo supor que fiz tudo isto com a mesma fivela de cinto enquanto
estava amarrado ou o flagelo faz parte do seu tratamento?
A seriedade de um dos enfermeiros foi rompida com um sorriso, o qual foi
abreviado pela nítida desaprovação do segundo. Com um gesto quase imperceptível
do médico, os dois rapazes saíram do ambiente, deixando-os a sós.
- Compreenda que nenhum tipo de interferência física faz parte do nosso
trabalho. Todas estas lesões foram-lhe infligidas por você mesmo.
- Eu jamais faria uma coisa destas!
segunda-feira, 28 de novembro de 2011
#Vazio - Outra Manhã (16)
O homem de branco, congelado na porta, exibiu insegurança pela primeira vez
desde sua apresentação inicial. Era difícil determinar se seguiria com o diálogo
ou se sairia correndo daquele quarto. Parecia não ter o que dizer. Instantes
depois, recuperou a firmeza e decisão e pediu, com um gesto, que o paciente se
sentasse. Demorou quase um minuto em silêncio, como se escolhesse bem cada
palavra que viria a empregar e, finalmente, iniciou seu discurso:
- Em primeiro lugar, eu quero que tenha consciência que apesar de tudo,
algum progresso aconteceu, já que este foi seu menor período desacordado desde
que chegou aqui.
Calou-se, provavelmente esperando que o homem ferido questionasse sobre o
período, mas a pergunta não foi feita. Seguiu:
sexta-feira, 25 de novembro de 2011
#Vazio - Outra Manhã (15)
Jogou a cabeça para trás, afundando-a no travesseiro espesso. De alguma
forma sentia-se enfurecido contra aquela sala e aquele médico, pois
autenticavam sua loucura. Percebeu que não interessaria qualquer discussão
sobre a realidade de um mundo e a falsidade do outro, tampouco a capacidade de
identificar qual das duas realidades era, de fato, Real, estava enlouquecendo,
afinal, um dos mundos não deveria estar lá. O médico fez alguns comentários
sobre seu estado clínico, mas foi ignorado. Percebendo que falava sozinho, decidiu
sair, dando ao homem da cama tempo para refletir e compreender onde estava. Poucos
instantes depois a enfermeira entrou no quarto, com expressão contrariada. Começou
a desafivelar as tiras de couro, resmungando algo contra o médico. Saiu rapidamente
da sala.
quinta-feira, 24 de novembro de 2011
#Vazio - Outra Manhã (14)
Algo rasgou sua calça e o arranhou na batata da perna direita. A dor, equivalente
à de um tiro de raspão, levou-o a emitir um gemido abafado. Os eventos que se
seguiram o fizeram desejar profundamente que fossem disparos de armas, mas não
eram. Sua expressão de dor foi abafada - insuficientemente, diga-se – por um
receio inconsciente de chamar a atenção, mas chamou. Imediatamente sentiu algo
agarrando-o no calcanhar da perna esquerda. O desespero impedia qualquer raciocínio,
ainda mais na ausência de algo para segurar. Não era possível identificar se eram
mãos ou garras, mas eram fortes, pois começaram a arrastá-lo para o lado –
suspeitou que fosse para o Oeste – com força suficiente para suspender do solo
metade do seu corpo, deixando-o na diagonal, com ombros, braços e cabeça ao chão.
Outros cortes começaram a ocorrer em suas pernas e costas, no sentido de seus pés.
Sentia trancos ao ser arrastado, além de ouvir alguns urros baixos.
quarta-feira, 23 de novembro de 2011
#Vazio - Outra Manhã (13)
A perturbação na água estava mais distante do que parecia e após quase
trinta minutos de corrida na velocidade máxima permitida por cada um dos dois
corpos, caíram ambos de joelhos no chão.
- Não é possível. Essa coisa parece fugir da gente!
- Ou isso ou está mesmo muito longe.
Nenhum dos dois tinha fôlego para qualquer outra palavra. Ficaram ali por
alguns minutos, respirando, descansando e viajando cada qual em seus próprios
pensamentos. Habituado a acompanhar o sol, Marcus notou que este já havia
decido uns quarenta e cinco graus, o que indicava que era aproximadamente três
horas da tarde. Apesar do calor e da total ausência de nuvens, a situação não
era insuportável. A água das margens do oceano estava sempre fresca, compensando
a ausência de vento. A umidade do ar não era alta, facilitando a atividade
refrigeradora do suor. Marcus percebeu que Valdomiro se levantara, sendo claro
que já era hora de continuar em frente, ainda que nenhum comando para isto
tenha sido dado. Juntou-se ao companheiro e seguiram, ansiosos, mas bem menos impetuosos.
terça-feira, 22 de novembro de 2011
#Vazio - Outra Manhã (12)
Seguiram caminhando por quase uma hora, sem tecer qualquer comentário e
sem a mínima alteração na paisagem. Por vezes, um apertava o passo e, à frente
do outro, bebia água e molhava o rosto enquanto esperava ser alcançado. A cada
passo, com o suor brotava da pele também a dúvida se valia a pena o esforço. Marcus
imaginava que poderiam passar dias sem nada encontrar, se é que havia qualquer
coisa a ser encontrada, uma vez que não se podia perceber qualquer alteração na
paisagem à frente, enquanto a muralha se fundia com o horizonte. Como se
adivinhasse o pensamento do companheiro, Valdomiro quebrou o silêncio:
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