sexta-feira, 13 de abril de 2012

#Vazio - A Fome das Sombras (16)


- Por que não ficou na pista, desta vez?
- Não sei, rapaz! Tive o pressentimento que hoje eu poderia voar como aconteceu contigo ontem.

Marcus compreendeu. Conforme caminhavam para o Norte e se afastavam da cruz do Peregrino ele mesmo parecia tomar a forma de um sonho, de modo que os sentimentos e convicções obtidos naquele encontro iam se enfraquecendo. Marcus se lembrou de sua adolescência, época em que era um forte devoto das práticas religiosas. O encontro com o Peregrino lhe remetia aos encontros dominicais e aos retiros, muito profundos durante o tempo em que aconteciam, mas criavam sentimentos e convicções que iam se atenuando no decorrer da semana seguinte e já estavam quase nulos na sexta-feira.
Passado o vento, voltaram para a estrada sob o límpido céu azul e seguiram sua própria peregrinação rumo ao desconhecido. Àquela altura o chão já era uma maciça e contínua formação rochosa, na qual era raro encontrar qualquer ranhura ou junção. Tudo era uma única e imensa rocha. Ficaram um pouco mais confortados ao perceber que a borda oeste apresentava patamares, algo como que degraus, nos quais poderiam se abrigar com facilidade do vento e das sombras. A encosta ainda era íngreme, mas o primeiro “degrau” seguia paralelo à estrada e cerca de um metro e meio mais baixo que ela por centenas de metros rumo ao norte. Abaixo dele podiam perceber outros “degraus”, distantes entre si cerca de três metros.
A caminhada foi tranquila, sem qualquer variação na paisagem. Lembraram-se tardiamente que deveriam ter confirmado a ocorrência de alguma fumaça no horário do almoço. “Talvez amanhã”, imaginou Marcus. Quando o Sol estava quase no final de sua jornada diária, Valdomiro lembrou-se de suas palavras, “Estarei preparado...”, e decidiu que era hora de “retribuir” o presente recebido das sombras, as feridas nas costas de Marcus. Caminhou até a água, onde o solo ainda era argiloso, e cravou sua lança o mais firme que pôde, deixando-a com uma inclinação de uns 45 graus rumo ao Leste. Verificou se o canivete, que servia de ponta de lança, estava bem firme na parte exposta da mesma, com a esperança de capturar uma daquelas criaturas. Fez tudo com muita calma, não obstante o grande volume de névoa ao redor deles, pois ficava realmente tranqüilo por saber exatamente onde estava seu abrigo, o “degrau” da borda Oeste.

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