Marcus ficou calado. O médico estava sentado em sua poltrona. Prancheta
repousava sobre seu colo. Daria ao paciente todo o tempo necessário. Todo o
silêncio necessário. Marcus, que também estava sentado, ficou olhando a parede
e a janela. Em seguida levantou e foi olhar a rua. Aquele dia estava cinzento.
O distante chão e os trajes das pessoas deixavam claro que chovera há pouco.
Pesadas nuvens no céu ameaçavam o retorno da chuva a qualquer momento.
No meio
da multidão algo chamou sua atenção. Pessoas andavam apressadamente. Naquela
cidade todos andavam como se estivessem atrasados para algo. No meio daquela
algazarra, um verdadeiro formigueiro, alguém andava devagar e com dificuldade.
Parecia um mendigo, vestido com trapos do que pareciam ser velhos lençóis e
cobertores. Destacava-se pela altura, superior até mesmo à dos guarda-chuvas
dos andantes que ainda não os havia fechado. Grudou o indicador ao vidro, como
que desejando apontar sua visão ao médico.
- É ele?
Olhando para Dr. Willian percebeu que não fora ouvido. Retornando o olhar
à rua, nada além da multidão atrasada. De algum modo aquela visão aliviou seu
coração. Voltou sonolento para sua cama, disposto a dormir mais cedo, mas não
sem antes oferecer ao médico o resultado da análise que lhe fora solicitada.
- Sabe, Doutor? Não sou um homem de fé, assim, não posso dar um
significado muito profundo para o homem de fé que apareceu lá no lugar que o
senhor chama de Ilusão! O que me parece mais provável é que este homem de fé
tenha a mesma função dos outros homens de fé que conheci em minha vida; os
quais, devo dizer, foram grandes responsáveis pelo enfraquecimento de minha
própria fé!
- Interessante! Prossiga!
Após um longo bocejo, repetido pelo médico, seguiu.
- Nós criamos muitas ilusões para tornar nossa vida mais aceitável. O que
concluo sobre estes homens é que são, eles mesmos, grandes iludidos! Não são
mentirosos! O que não faz, absolutamente, com que seja verdade aquilo que
dizem. São iludidos que tomam para si a tarefa de reforçar suas próprias ilusões
e as ilusões dos demais.
- Isto é, no mínimo, profundo! Você se considera um ateu?
- Não sei! Talvez existam muitas ilusões e não crer em nada, que seria a
minha definição para um ateu, pode ser apenas mais uma ilusão. O ateu, apenas
um outro pregador iludido e “iludidor”.
- E o que é concreto?
Continua em #Vazio - A Fome das Sombras (21)
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