Um
sábio não nasce sábio, a menos que lhe confiramos tal característica
retrospectivamente. Ele não nasce adulto, não surge completo, formado, pronto.
A história a seguir apresenta o sábio antes de “O Sábio”, a história de um
menino, seu pai e a chuva:
“Muito tempo atrás, em um
reino já esquecido pelos livros de História e pelas lendas, existiu um grande
sábio - “O Sábio”, como era conhecido por seus contemporâneos - cuja voz tinha
o poder de trazer a paz aos corações, a sabedoria aos espíritos e a harmonia às
tribos. Algum tempo antes de “muito tempo atrás”, existiu um menino e este
menino carregava em seu coração uma semente, o nome desta semente era
“Sabedoria”. Certa vez, o menino caminhava com seu pai pelos corredores de um
palácio, mas o menino nada sabia de palácios ou de moradas humildes, apenas
sabia que ali era seu lar. Ouvindo trovões e o canto do vento, correu até uma
das saídas, apenas para assistir, frustrado, a chuva que minava suas esperanças
de correr pela grama. Frente àquele evento, perguntou ao seu pai:
- Pai, por que chove?
O pai, senhor daquela morada
e das terras que a circundavam, ajoelhou-se frente ao menino e sorrindo lhe
disse:
- Meu pequeno! Isto eu não
posso te responder hoje! Torna a me perguntar amanhã. Talvez amanhã você possa
compreender!
O menino, impaciente como
toda a criança, não podia esperar até amanhã, pois era hoje que seu espírito
era perturbado pela dúvida, mas sabendo que não adiantaria insistir, calou-se.
Na manhã seguinte, incapaz de concentrar-se em qualquer outra atividade, correu
até o pai e insistiu:
- Pai, por que chove?
Novamente o pai sorriu,
mirou o filho com olhar sereno, e repetiu:
- Meu pequeno! Isto eu não
posso te responder hoje! Torna a me perguntar amanhã. Talvez amanhã você possa
compreender!
Manhã após manhã o menino interrogava
o pai, mas recebia sempre a mesma resposta. Muitos dias e semanas se passaram,
mas a curiosidade da criança não diminuía. Numa outra manhã, correndo até o
pai, repetiu a frase que já havia substituído o “Bom dia! O pai sorriu e disse:
- Segue-me!
Andaram por alguns
corredores até atingir uma saída lateral do palácio. Caminharam um pouco mais,
chegando até um cômodo externo, no qual homens entravam e saíam carregando
ferramentas. Ali o pai solicitou um balde, sendo prontamente atendido. Em
seguida foram até uma construção de madeira, algo circular, lembrando o balde
que traziam, mas um pouco mais alto que o pai do menino. A construção era
ladeada por uma escada, pela qual o pai subiu até a borda, encheu o balde com
água e retornou. O menino observava em silêncio, pois guardava no coração tudo
o que o pai dizia e fazia. Seguiram então para uma grande área cercada, na qual
cresciam toda a variedade de flores ornamentais e árvores frutíferas. O menino
conhecia o lugar, era “O Jardim”, a única parte da propriedade da família na
qual os camponeses não entravam, pois apenas o pai trabalhava ali, mas cujos
magníficos frutos eram sempre distribuídos a todos. O cenário que sempre
cativava o menino por sua beleza e cor estava agora abandonado, flores
murchando e frutos morrendo antes de completarem sua formação. A terra
demasiada seca tornava evidente o motivo. O pai se ajoelhou no chão e com as
mãos em concha aspergia água com cuidado, umedecendo o chão progressivamente.
Foi um trabalho cansativo, pois apesar da insistência do menino para que o
balde fosse virado de uma vez, o pai não o permitia. Tiveram que retornar
diversas vezes para recarregar o balde, até que todo o jardim estivesse
devidamente irrigado. Com os joelhos enlameados e o rosto em cascatas de suor,
o pai tocou o ombro do filho e disse:
- Meu pequeno! Ainda não te
posso falar sobre a chuva! Torna a me perguntar amanhã. Talvez amanhã você
possa compreender!
Dia após dia o menino
perguntava! Dia após dia o pai o levava para o árduo trabalho de regar o grande
jardim. O menino assistia a vida retornar ao lugar, e isto reduzia a pena do
trabalho. Tempos depois, o menino ainda estava na cama quando foi chamado pelo
pai:
- Segue-me!
Foram para fora! O menino
sabia que não iriam para o jardim, pois chovia. A mãe fitava o pai com olhar de
reprovação, pois o menino era ainda muito pequeno para sair naquela chuva.
Temia que adoecesse. O pai seguiu. O menino o seguiu. A chuva era forte e o
vento atirava-a aos olhos, dificultando a visualização do caminho. O pai o
levava no colo. Tudo o que o menino podia perceber era que andaram por muito
tempo e subiram bastante. Finalmente alcançaram o destino, ainda sob forte
chuva. O pai o colocou suavemente no chão e o levou até um tipo de parapeito,
feito com pedras recobertas de musgo.
- Me diga, meu pequeno, o
que você vê?
A chuva era densa! Não era
possível ver nada além de poucos metros. O menino só via o muro, o pai e um mar
de cinza.
- Não posso ver nada!
- Então ainda não posso te
falar da chuva! Torna a me perguntar amanhã. Talvez amanhã você possa
compreender!
O pai pegou o menino
gentilmente e retornou pelo longo caminho até o palácio. Na manhã seguinte o
menino foi até a janela e conferiu que não mais chovia. Depois correu até o
pai, mas nada disse. Sentou-se tranquilamente para o café e só então perguntou:
- Pai, por que chove?
Novamente o pai pediu para
que o seguisse. A caminhada foi mais demorada e difícil que a do dia anterior,
pois desta vez o menino não ia ao colo. Foram para além da propriedade da
família. Atravessaram a vila dos camponeses e seguiram pela estrada que levava para
outros domínios. Abandonaram a estrada e seguiram por uma trilha que
serpenteava montanha acima. No alto da montanha chegaram até um patamar frente
a um penhasco. O patamar era guardado por um muro de pedras. O menino tocou o
musgo. O pai se ajoelhou ao lado do filho, apontou o horizonte e perguntou:
- E agora, meu pequeno, o
que você vê?
- Eu vejo ao longe, muito
pequeno, a nossa casa. Vejo o seu jardim e as casas das pessoas. Vejo a grande
estrada. Vejo campos verdes e florestas quase negras. É isso que eu vejo.
- O mundo é muito grande,
meu pequeno. Nele há muita vida, muita beleza. Tudo isto precisa de cuidados.
Aqui você vê como é diminuta a nossa casa. Aqui você vê como o mundo é grande.
E eu posso garantir que é ainda maior que tudo isto que você vê. Daqui,
sobretudo de agora, você pode compreender a chuva. Chove porque não podemos
regar tudo isto, mas tudo isto merece ser regado!”
Nenhum comentário:
Postar um comentário