sexta-feira, 11 de outubro de 2013

O Sábio e o Chacal – Parte 2

Passara o tempo da submissão e da solicitude; chegara a hora do Chacal morder. Mordeu a mão que o alimentava. Não era um cão. Ignorava o conceito “lealdade”. Derrubou a montanha. Mirou o Sábio. Vacilou. O instinto oportunista avaliava prós e contras. Derrubar o Sábio renderia, sem dúvida, reconhecimento por parte de Hecatoma. Por outro lado, poupá-lo seria positivo caso se instalasse a nova ordem que seu alvo poderia trazer. O Chacal, naquele momento, era uma simples superfície, um campo de batalha à disposição do duelo travado entre o Sábio e Hecatoma. Folha ao sabor do vento. Retirou a tensão do arco. Baixou a flecha. Se foi a batalha ou a guerra, não se podia saber; por ora vencia o Sábio.

O Chacal caminhou manso até a nova mão da qual buscaria afago. Prostrou-se colocando arco e flecha aos pés do Sábio. Não os quebro.
- Senhor! Reconheço que fui um tolo ao oferecer-lhe hostilidade. Preenche o vazio de minha ignorância com suas palavras e serei uma nova pessoa.
O Sábio suspirou, notadamente desapontado.
- “Nada” e “Estupidez” não se equivalem. Você não está vazio, meu jovem. Está repleto do veneno que engole enquanto atrasa seu bote. Se prostra agora, mas deseja em seu íntimo prostrar-me. Não posso ajudá-lo, a menos que seja capaz de cumprir uma missão.
- Pode falar meu senhor! Estou pronto para provar que não carrego veneno, apenas boa vontade.
- Seus traços e pele evidenciam que não é deste lugar. Viajou muito antes de chegar aqui?
- Sim, meu senhor! Conheço muitos lugares, povos e línguas.
- Conhece o caminho até a capital?
- Sim meu senhor!
- Eu enviei um servo até lá. Ele viaja devagar, pois está a pé e carrega peso. Parte agora e alcance-o antes de chegar à capital. Coloque-se como servo do meu servo, toma-lhe o peso e acompanha-o ao seu destino. Depois volta aqui e será meu sucessor direto.
O Chacal não passou em seu aposento nem para apanhar ração para a viagem. Partiu imediatamente. Nunca mais foi visto em Navarjari, muito menos na Capital.
Anos depois, ao redor da fogueira ao largo de alguma estrada, estavam reunidos o Sábio, Oteruihá, e alguns outros que os seguiam. Oteruihá era alto e forte. Sua pele apresentava traços claros de que um dia fora muito obeso. Conversavam casualmente e caçoavam do dia em que Oteruihá havia desmaiado ao ser atingido superficialmente por duas flechas.
- Você desabou como uma montanha.
- Eu nunca havia me assustado tanto na vida. O pavor subiu pelas minhas pernas e o mundo sumiu.
- Foi difícil demais carregá-lo para um local onde pudessem cuidar de você, velho amigo.
- Foi difícil demais me carregar pela vida até aquele dia. E o homem que me atingiu? Que rumo deve ter seguido?
- A menos que a Sabedoria do mundo tenha novos planos, acredito que nossa conexão espiritual com ele consumou seu propósito naquele mesmo dia.
- Ele morreu?
- Gosto de imaginar o seguinte: Aquele homem correu por algumas horas; caminhou por outras. Percebendo que o caminho para a capital era repleto de pedestres caminhando vagarosamente com grande fardo, cumpriu a missão dada por mim fazendo-se servo de cada um deles. Percebeu que eu nunca tive um servo, mas continuo servindo aos outros mesmo assim. Aquele homem que passou uma vida servindo quem pudesse alimentá-lo, devorando quem não podia oferecer mais, percebeu-se servindo quem antes humilharia. Ofereceu o que tinha gratuitamente; não esperou recompensa; reconhecia que não era possível ao outro recompensar-lhe; mais que isto, despertou para a grande riqueza de não precisar de recompensa. Tornou-se verdadeiramente humano.
Nota:

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